terça-feira, 8 de abril de 2014

Redenção

    Fui à minha antiga escola esses dias. Já era noite. E ia ter algum evento especial.
    Alguma turma (nunca havia visto aquelas pessoas, ou talvez nunca havia reparado nelas) apresentavam uma dança em frente à escola.
    E, sentada no canteirinho, divertindo-se com a apresentação, estava uma menininha toda vestida de verde, sombra rosa nos olhos, com o cabelo todo cacheado preso como um coqueirinho. Olhei-me, e percebi que estávamos vestidas iguais.
    Sentei ao lado da menina, que nada me disse. Ficamos lá, observando a plateia e suas reações, enquanto os alunos (assim suponho) dançavam. Vendo a emoção de todos, nos abraçamos.
    E assim permanecemos, por um bom tempo. Até a apresentação acabar.
    Era hora de ir embora. Meus pais apareceram, 15 anos mais jovens (e igualmente bonitos, diga-se de passagem), e chamaram meu nome. A menina respondeu que já ia.
    Eu também precisava voltar.
    Agora chorando, por não querer abandonar aquele momento que inventei pra minha infância, peguei o eu-menina no colo, e desejei-lhe que tivesse muita saúde, sucesso, paz, e principalmente, felicidade. Que ela não se preocupasse com coisas tão levianas, e que nunca tivesse medo de ser tão diferente, porque isso a tornava uma das melhores pessoas do mundo. Pedi para que sorrisse sempre, e aproveitasse cada oportunidade de seu futuro.
    O eu-menina sorriu pra mim, e me disse pra parar de chorar. Desejou-me um maravilhoso presente, e que não me preocupasse mais com o passado, pois ela estaria sempre comigo.
    Ela então se foi.

    Daí o meu melhor amigo apareceu, dizendo que vira o Snape, e que ele estava aprontando alguma. Voltamos para Hogwarts, e então comecei a escrever um milhão de nomes que nunca havia ouvido antes, com caligrafias completamente diferentes da minha, num pedaço de pergaminho. Estávamos prestes a descobrir que aquilo eram manifestações das minhas vidas passadas quando acordei.

O importante é que me redimi.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Consulta

    - Doutor, acho que estou com um problema sério.
    - Pois bem, o que aconteceu?
    - Nada, doutor! Absolutamente nada!
    - Entendo. Como anda seu humor?
    - Ah, não sei. No geral estou sempre muito calmo, mas dependendo da situação posso ficar muito irritado.
    - Mais algum sintoma?
    - Não sei. Às vezes parece que está tudo bem, mas aí de repente eu sinto um vazio.
    - Algo mais?
    - Não sei. Pode ser. Sei lá.
    - Acho que sei o que você tem.
    - O que é, doutor?
    - Humanidade crônica.
    - O que isso significa?
    - Que você é um ser humano, como todos os outros. Você é normal.
    - E é grave?
    - Depende da sua perspectiva de mundo.
    - Como assim?
    - Depende de como você é e o que você pensa sobre o mundo em que vive.
    - Vixi, então é! Tem cura?
    - Nunca foi comprovada a eficácia de nenhum tratamento, mas alguns estudos indicam que o único meio de se salvar da Humanidade é não tendo medo dela.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O 13º Andar

    - Senhor, sua última paciente acabou de chegar. - disse a secretária pelo telefone.
    Ótimo.
    - Mande-a entrar. E venha aqui um minutinho, por favor.
    - Sim, senhor.
    Logo a secretária abriu a porta, seguida por minha paciente preferida.
    - Por favor, acomode-se no divã enquanto eu dou uma palavrinha com a minha secretária. - eu disse, abrindo um grande sorriso.
    - Obrigada. - ela respondeu, tentando forçar um sorriso.
    Fui até a porta, onde a secretária me esperava. Com um leve aceno de cabeça, indiquei que me acompanhasse até o corredor.
    - Eu acabei de me lembrar que terei que ir ao aniversário de um amigo meu, e como meus horários estão todos cheios não terei como comprar um presente. Você pode fazer isso por mim?
    - Agora?
    - Sim.
    - Mas senhor, agora começa a hora do rush. Se eu for, não terei como voltar até o fim do expediente.
    - Não tem problema. Essa é a minha última paciente do dia, não creio que terei que interromper a sessão para atender a porta. Compre um relógio, ou abotoaduras. Algo clássico. Vejo você amanhã. - e entreguei a ela quinhentos reais.
    - Sim, senhor. Até amanhã.
    Voltei para a sala e tranquei a porta atrás de mim. Guardei a chave no meu bolso, peguei minha prancheta e sentei-me em minha poltrona. Deitada no divã, ela parecia mais nervosa que das outras vezes.
    - Um fim de tarde magnífico, não?
    Sem resposta.
    - Pois bem, como você está?
    Não parecia muito bem.
    - Estou melhorando.
    - Muito bom ouvir isso. Conte-me sobre suas melhoras.
    Tensa. Talvez tenha começado a juntar as peças do quebra-cabeças. Afinal, já faz dois meses.
    - Bom, estou perdendo o medo de sair de casa. Três dias atrás fui à padaria do meu bairro. Ontem desci até o mercado, e hoje fiz uma curta caminhada.
    - E como foi?
    - A pé.
    - Não, como foi a experiência?
    - Ah, sim. Foi esquisito, eu acho. Desconfortável. As pessoas ficam me encarando e cochichando. Nada agradável.
    - Isso passa. - ela me observava com desconfiança, mas nunca mantendo os olhos fixos nos meus por muito tempo - As pessoas gostam de novidades e desgraças. Principalmente com jovens indefesas. Você é a vítima perfeita. - eu disse, lançando um sorriso travesso, talvez um tanto sombrio. - Logo eles cansarão.
    - Assim espero.
    Cruzei minhas pernas e coloquei meus braços atrás da cabeça. Estar perto dela sempre despertava em mim um homem diferente, que buscava modos de se satisfazer. Apesar de sua agonia, sua figura era reconfortante. Nem mesmo o desleixo e a amargura nela evidentes conseguiam abrandar o desejo que em mim crescia.
    - Algo mais? - perguntei.
    - O resto continua igual. Ainda sinto que estou sendo constantemente perseguida e observada de perto. Qualquer barulho me assusta. E ainda tenho pesadelos com, bem... Você sabe.
    - O estupro. - proferi, em tom de desafio, descruzando as pernas e inclinando-me em sua direção. Se ela realmente descobriu, agora deixaria isso claro.
    Encolheu-se, como se a palavra a ferisse. Definitivamente, havia descoberto, mas ainda relutava em aceitar e preferia desacreditar-se. Talvez isso tornasse tudo mais interessante.
    - Só queria saber o porquê. - resmungou.
    - Era uma questão de necessidade. Se não fosse você, seria outra. Ele te viu na rua e gostou. Simples assim.
    - Você fala como se também fosse um. - quase não pude escutá-la, mas com um aceno mostrei que entendi.
    - Já estudei muitos. - dei um leve sorriso e abaixei minha cabeça, fingindo rever minhas anotações.
    Tudo é mais divertido quando elas entram no jogo.
    Voltei meu olhar a ela.
    - Sobre os pesadelos, você conseguiu se lembrar do rosto dele?
    - Não, ainda não. É sempre o mesmo. Corro pelo parque gritando por socorro, mas não há ninguém por perto. Eu caio e ele me agarra. E os olhos. - sua voz falhava conforme tremia - Olhos negros e vorazes. Como os de um predador. Como... - parou subitamente.
     Levantou-se num salto e correu até a porta. Puxou a maçaneta. De fato, muito mais divertido. Levantei-me com calma e dirigi-me a ela, lentamente. O pânico exalava de seu corpo e se misturava ao seu perfume adocicado. Já não podia mais me conter, e gargalhei. Ela chutou a porta, esmurrou e gritou, mas a secretária não tinha como ouvi-la do centro da cidade. Uma pena.
    Virou-se de frente para mim, e pude ver o suor grudando em suas roupas, contornando seu corpo. Aproximei-me mais, encostei as palmas das minhas mãos na porta atrás dela, inclinando-me a fim de deixar nossos narizes quase colados.
     - Por que eu?
    - É simples. Eu só gostei muito de você. - abri um sorriso zombeteiro e beijei  seu queixo. Já não era mais eu. Era o próprio desejo agindo por si.
    Continuei a beijá-la, descendo por seu pescoço, o prazer atravessando meu corpo em ondas, aquecendo-me cada vez mais. Embriagado com seu sabor, comecei a rasgar sua blusa.
    De repente, ela, antes estática, com esforço me empurrou para trás e me chutou, com força. Caí no chão, contorci-me de dor, o prazer já substituído por ódio. Levantei-me, determinado a concluir o que comecei. Avancei em sua direção, mas ela já havia lançado a cadeira em direção à janela de vidro, e se lançou logo em seguida, antes que eu pudesse segurá-la.
    Olhei para baixo, pela janela. Sua figura pequena e frágil diminuía conforme se aproximava do chão. Gritei, frustrado.
    Peguei o telefone e liguei para a polícia.
    - Por gentileza, alguém pode trazer uma viatura ou o corpo de bombeiros? Uma paciente minha acabou de ter um acesso de loucura e se jogou do 13º andar.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A Janela

    - Como você está? - disse a voz grave.
    De novo, no divã. Talvez não tão bem.
    - Estou melhorando.
    - Muito bom ouvir isso. Conte-me sobre suas melhoras.
    Por alguma razão, a voz grave e suave que deveria me reconfortar sempre me dava arrepios. Há algo errado. Algo nele.
    - Bom, estou perdendo o medo de sair de casa. Três dias atrás fui à padaria do meu bairro. Ontem desci até o mercado, e hoje fiz uma curta caminhada.
    - E como foi?
    - A pé.
    - Não, como foi a experiência?
    - Ah, sim. Foi esquisito, eu acho. Desconfortável. As pessoas ficam me encarando e cochichando. Nada agradável.
    - Isso passa. - ele me olhava com interesse, observando minhas olheiras e minha figura ainda desleixada - As pessoas gostam de novidades e desgraças. Principalmente com jovens indefesas. Você é a vítima perfeita. - disse, ao me lançar um sorriso travesso e sombrio, enquanto se movia em sua poltrona e fazia anotações em sua prancheta - Logo eles cansarão.
    - Assim espero.
    Agora sentado com as pernas cruzadas, com os braços dobrados atrás da cabeça, relaxado e exalando poder. Observava atentamente minhas reações e meu olhares, como se minha desgraça o divertisse.
    - Algo mais? - ele perguntou.
    - O resto continua igual. Ainda sinto que estou sendo constantemente perseguida e observada de perto. Qualquer barulho me assusta. E ainda tenho pesadelos com, bem... Você sabe.
    - O estupro. - ele proferiu, em tom de desafio, descruzando as pernas e inclinando-se em em minha direção.
    Encolhi-me no divã. A palavra soava ainda pior vinda de seus lábios que, espremidos para disfarçar um sorriso, tentavam ocultar seu escárnio. De repente, senti-me ameaçada, prestes a ser atacada.
    - Só queria saber o porquê. - resmunguei.
    - Era uma questão de necessidade. Se não fosse você, seria outra. Ele te viu na rua e gostou. Simples assim.
    - Você fala como se também fosse um. - a frase saiu, quase inaudível. Não consegui dizer o quê, mas com um aceno de cabeça ele me mostrou que entendeu.
    - Já estudei muitos. - deu um leve sorriso e abaixou a cabeça, fingindo rever suas anotações.
    Em uma pequena pausa, reconstruiu sua face impassível e impenetrável, e então voltou seu olhar pra mim.
    - Sobre os pesadelos, você conseguiu se lembrar do rosto dele?
    - Não, ainda não. É sempre o mesmo. Corro pelo parque gritando por socorro, mas não há ninguém por perto. Eu caio e ele me agarra. E os olhos. - murmurei, tremendo - Olhos negros e vorazes. Como os de um predador. Como... - parei subitamente.
    Como os seus.
    Levantei-me num salto e corri até a porta. Puxei a maçaneta. Trancada. Ele se levantou e vinha lentamente em minha direção. Ao ver o pânico estampado em meu rosto, gargalhou. Chutei a porta, esmurrei e gritei. Nada.
    Virei-me de costas para a porta, olhando meu carrasco de frente. O suor frio escorria por minha nuca e grudava em minhas roupas.
    Ele se aproximou mais, encostou as palmas das mãos na porta atrás de mim, seu nariz a dois centímetros do meu.
    - Por que eu?
    - É simples. Eu só gostei muito de você. - abriu um sorriso zombeteiro e beijou  meu queixo, provocando náuseas em mim.
    Continuou me beijando, descendo até meu pescoço. Olhei para a janela, grande e ampla, de vidro, que ia do teto ao chão. Fechada. Uma cadeira entre ela e eu. Calculei minhas chances de saltar do 13º andar e sobreviver. Nenhuma.
    Começou a rasgar minha blusa. A janela parecia a melhor saída.
    Com muito esforço, empurrei-o um pouco para trás e o chutei, com força, lá. Corri em direção à janela, peguei a cadeira e a atirei, quebrando o vidro. Atirei-me logo em seguida, antes que ele pudesse me segurar.
    Escutei um grito de frustração. Olhei para baixo, e vi pessoas alvoroçadas abrindo espaço na calçada de concreto. Fechei os olhos e abracei o destino que escolhi.
   

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O Homem que Esqueceu

    Não nasceu numa família abastada, mas também não era pobre. Um classe média. Cresceu com as amarguras e decepções de uma criança normal. Foi feliz. Teve a primeira namorada, a primeira desilusão amorosa e tomou seu primeiro porre. No geral, foi feliz.
    Descobriu então sua vocação para a escrita, e tinha grandes sonhos. Sonhos de se tornar um ilustríssimo autor, respeitado e reconhecido; de um dia escrever best-sellers, que seriam lidos no mundo todo.
    Sua família muito o apoiava, e, após muito estudo, entrou na universidade.
    Já universitário, estudou mais ainda. Logo começou a escrever para blogs e revistas locais.
    Formou-se. Trabalhou. Fez dinheiro. Viajou.
    Numa dessas viagens, encontrou o amor de sua vida.
    Casaram-se, tiveram filhos, e viveram razoavelmente bem, numa casa razoavelmente boa, num bairro razoavelmente bom.
    Passaram por alguns momentos de dificuldade, mas no fim tudo acabava bem.
    Era isso que dizia aos filhos quando estes lhe perguntavam "Por que mamãe está chorando?"
    - Calma, filhos. Mamãe está chorando porque os tempos estão difíceis, mas logo ficará tudo bem.
    Nunca chegou a obter a fama que um dia sonhara, mas era, no geral, feliz.
    Envelheceu e se aposentou. Aos poucos foi adoecendo, morrendo um pouquinho de cada vez. Primeiro sua agilidade lhe foi tirada, e gradativamente sua capacidade cognitiva também.
    Ele, que podia escrever parágrafos descrevendo a cor azul sem nem ao menos citar seu nome, agora não sabia dizer que queria abobrinha, nem que o que realmente queria dizer era abóbora.
    Mesmo assim, não esquecia de sua família, mesmo que suas mudanças drásticas de humor atrapalhassem o relacionamento.
    Com o tempo, seu corpo todo foi se degenerando, até chegar ao ponto em que não podia sair da cama.
    Um dia, sua amada esqueceu a janela do quarto aberta, e ele pegou pneumonia.
    Já velho, com perda quase total da fala e preso em seu próprio corpo, só podia demonstrar seu desespero através do choro. O filho mais velho, então, chegou perto de sua cama, segurou sua mão e o consolou.
    - Calma, pai! Uma vez me disseram que os tempos eram difíceis, mas que tudo ficaria bem. Lembra quem me disse isso?
    - Quem?
    - O senhor, papai!
    - Eu o quê? - o velho disse, e morreu.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Entorpecente

Nada mais em mim faz sentido.
Por isso escrevo. O belo, o feio, o horrível. O romântico, o macabro, o indizível. Escrevo porque em mim nada mais faz sentido.
Não sou mais capaz de distinguir sensações. Escuto o que vejo, sinto o que escuto, saboreio o que sinto. Crio a partir do que creio que existe ou deveria existir. E a criação flui. Voa. Voa para longe de sua semântica original. A palavra agora é viva.
A grama verde agora é veludo, com cheiro de mofo, velho e pesado, no fundo do armário de minha avó.
O pavimento agora é lixa, cheirando ao queimado dos corpos bêbados por ali arrastados para longe do bar.
E nesse turpor derradeiro, confusão sinestésica, cresce com pressa a necessidade de escrever.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE:
Escrever entorpece.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Como se escreve saudade?

  • Com lágrimas nos olhos, mil e uma lembranças e um aperto no coração...
  • sábado, 8 de dezembro de 2012

    quarta-feira, 6 de junho de 2012

    Estou precisando muito de você.
    Hoje mais do que em qualquer outro dia.

    É que hoje choveu o dia inteiro.
    Dia perfeito pra ficar abraçado com quem se ama...
    Mas você está tão longe...

    E é tudo tão difícil...